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O chapéu do porão

Sylvie tinha um olhar enigmático. A conhecemos ao entrarmos em sua loja, já com a placa “Fermé” na porta, pois ela mesma resolveu abrir seu espaço para conhecermos. Era uma loja de chapéus feitos a mão, em Montmartre, em uma daquelas ruazinhas que descem da Sacre Coeur. Enquanto eu olhava os produtos, algo não fazia sentido. O que estava exposto não parecia estar a altura do que aquela mulher parecia capaz. Depois de um tempo na loja, ela descobriu que @fweno era descendente de japonês e finalmente se abriu:

– Você fala japonês??
– Não…
– Mas você tem algum contato lá?

Contou que, certa vez, uma emissora japonesa havia feito uma filmagem com ela. O programa de TV incluía takes dela produzindo um chapéu gigantesco, verde, roxo e único. Além disso, filmaram um desfile de pessoas usando seus chapéus teatrais-quase-máscaras. Falava pausadamente com um brilho nos olhos que aumentava a cada detalhe. Confessou que seus melhores chapéus não ficam expostos “pois não são para pessoas regulares” e são guardados no porão. Acontece que, recentemente, o porão dela havia sido inundado por uma infiltração. E a água estragou o chapéu verde, roxo e único. E os donos do imóvel que ela alugava como loja estavam exigindo que ela saísse de lá. E ela estava em dívidas. E ela estava desesperada porque havia perdido o chapéu verde, roxo e único sem nunca haver fotografado. E de repente ela estava contando a vida inteira com a intensidade de um monólogo do Satyros, daqueles que só são exibidos à meia-noite. E nós embarcávamos na história que a cada momento apresentava fatos cada vez mais dignos de um roteiro de filme. Foi aí que ela pediu um favor:

– Vocês podem entrar em contato com a emissora japonesa para pedir uma cópia do documentário? Tenho os contatos aqui.
– Sim, claro!
– Gostaria muito de poder fazer o chapéu verde, roxo e único novamente.

Tirou da carteira um cartão que aparentava um certo tempo de uso. Nele, um nome de um produtor de TV e o logo da emissora. Estávamos muito próximos de um final feliz, já que eu e @fweno tínhamos certeza que poderíamos inclusive encontrar o documentário no YouTube sem nem mesmo contatar a tal da TV. Perguntamos:

– Quando isso foi gravado?
– Há 10 anos atrás.
– …

O mais louco de tudo é pensar que ela vivia os últimos 10 anos como se eles fossem condensados naquele momento único do documentário sobre o chapéu verde, roxo e único.