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Blogueiras Negras

Hoje, 25 de julho, é Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha. Uma data que existe para lembrar a luta das mulheres negras, muitas vezes tratadas como cidadãs de segunda classe em nosso país, como a carne mais barata do mercado. A resistência das mulheres negras merece e precisa sempre ser lembrada.

Ano passado, publicamos um texto muito especial da Larissa Januário: ‘A Tia Anastácia e o pé na cozinha’. Falando sobre essa relação entre as negras e o batuque da cozinha, aquela que é sempre ajudante e nunca protagonista. Quando dizemos que o racismo no Brasil é velado, falamos desses pequenos atos cotidianos, dos olhares, de como enxergam a mulher negra que entra sozinha num bar, que chega para uma vaga de emprego, quando entra na loja cara de um shopping, de sua invisibilidade na televisão e na publicidade.

Esse texto da Larissa foi feito para marcarmos presença na I Blogagem Coletiva da Mulher Negra, organizada pela Charô, Luluzinha desde o início do grupo. Essa empreitada rendeu frutos e esse ano nasceu o projeto: Blogueiras Negras.

Talvez você se faça a seguinte pergunta: mas por que um blog só sobre mulheres negras? Porque é preciso contar as histórias dessas mulheres, que geralmente se perdem em meio a generalização de outros blogs de mulheres. É importante termos em mente que não existe “a mulher”. Dependendo de sua classe social, raça, etnia, emprego, estudo, sexualidade, entre outros fatores sociais, cada mulher viverá diferentes experiências, com diferentes perspectivas.

As Blogueiras Negras existem para marcar presença na internet:

Fazemos de nossa escrita ferramenta de combate ao racismo, sexismo, lesbofobia, transfobia, homofobia e gordofobia. Porém, também pretendemos ser uma comunidade; um espaço de acolhimento, empoderamento e visibilidade voltados para a mulher negra e afrodescendente. Acreditamos que a troca de vivências e opiniões em função da negritude partilhada não é apenas desejável, mas um objetivo comum. Queremos celebrar quem somos, quem fomos e quem seremos.

Como espaço de discussão, festejaremos nossa afroascendência. Ressignificaremos o universo feminino afrocentrado através do registro nossas histórias, nossas teorias e sentimentos. Escrevendo, gravando e produzindo, construindo nossa própria identidade como mulheres negras e afrodescendentes. Mulheres de pena e teclado, reinventando a tela para que amplifique nossas vozes.

Perguntei a Charô o que a motivou a construir as Blogueiras Negras e como ela enxerga o projeto após seis meses no ar:

O Blogueiras Negras surgiu após uma série de experiências que tive com a atuação de mulheres na internet. Nesse processo, o Luluzinhacamp é fundamental, pois foi o primeiro espaço de acolhimento, tanto virtual quanto presencial, que conheci. Um segundo espaço que me acolheu foi o Blogueiras Feministas, onde praticamente todo mundo que está fazendo o feminismo online acontecer se reúne. Conhecer um projeto chamado Afroblogs me fez perceber que talvez houvesse espaço para que a produção de conteúdo da mulher negra que escreve especificamente para internet.

Assim, em 2012, surgiu a Blogagem Coletiva da mulher negra. Algum tempo depois, li um post no Tempo Fashion, da blogueira Juh Sara, perguntando onde estavam as blogueiras negras na moda. Porque as pessoas imaginavam que esse tipo de conteúdo não poderia ser escrito por uma negra. Então, me perguntei onde estavam as blogueiras negras e imaginei o projeto. Porém, o grupo só ganhou fôlego com a chegada de outras facilitadoras. Primeiro, Larrisa Santiago e Verônica Rocha. Depois, Maria Rita Casagrande do True Love e Zaíra Mau Humor Pires.

Isso sem falar da generosidade das mulheres que se dispõe a escrever com a gente, claro.

Para mim é uma honra ser colaboradora de um projeto tão bacana. Então, não deixe de conhecer iniciativas importantes como essa e de lutar contra o racismo. Em agosto, acontecerá o primeiro Encontro das Blogueiras Negras em São Paulo, mais uma oportunidade para conhecer mulheres incríveis.

Esse post faz parte da I Blogagem Coletiva 25 de Julho – Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha.

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Ações e Campanhas

A Tia Nastácia e o pé na cozinha

Quando Charô me escreveu, contando sobre sua vontade de organizar uma Blogagem Coletiva da Mulher Negra, tinha certeza que o LuluzinhaCamp devia entrar na roda. Sou coordenadora das Blogueiras Feministas (que também estão participando), mas esse espaço aqui é meu primeiro encontro comunitário entre mulheres. Sabia que Lu Freitas e outras queridas do grupo também iam abraçar essa causa. Não deu outra, a Cintia Costa e a Beth Vieira já publicaram.

E, nos emails entre eu e Charô, pensando no que preparar aqui nesse espaço, surgiu logo a ideia de convidar Larissa Januário para ocupar e falar sobre esse imaginário que povoa a relação das mulheres negras com a cozinha. Uma relação que possui estreita ligação com o cotidiano da senzala do passado e com a vida de tantas trabalhadoras domésticas atualmente.

A Larissa aceitou o convite e nos brinda com esse maravilhoso texto.

Charô e Larissa Januário em um LuluzinhaCamp de 2009. Foto de Lidia Faria no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

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Texto de Larissa Januário.

A Tia Nastácia e o pé na cozinha

“Tenho o pé na cozinha”. Sempre que alguém usa essa máxima para justificar sua origem negra, um pouco da minha fé na humanidade se abala.

Primeiro, porque tal frase reforça séculos de preconceito. Remete a um Brasil colonial escravocrata, quando lugar de negro era na senzala, no máximo dos lucros, na cozinha.

Segundo, porque reflete uma realidade que resiste e persiste. As negras, pelo menos a maioria de nós, ainda estão condenadas ao batuque da cozinha. Não de um jeito bom, bem remunerado, criativo e exaltado pela efervescência gastronômica atual.

Dizer ter o pé na cozinha traveste de lúdico um preconceito sócio racial que coloca todas nós mulheres negras na área de serviço. Não por opção, mas por condenação. É tão somente pela herança maldita da escravidão.

E desse mesmo jeito lúdico, todas nascemos com o estigma de Tias Nastácias. A quituteira de mão cheia do Sítio do Pica-Pau Amarelo que fazia bolinho de chuva, lambari, frango assado… Mas quem assina e estampa desde sempre as capas de todos os livros de receitas é a sinhá, Dona Benta, uma simpática e alva vovó.

Não ouso dizer que esse é meu caso. Apesar de negra, não nasci condenada à cozinha. Pela exceção do meu pai à regra, estudei em boas escolas, graduei e pós-graduei. Sempre levei meus dois pés pra cozinha por vontade própria e, só por opção, entro nela para trabalhar.

E ainda sim, quando eu e minha sócia (branca) estamos a cozinhar, desavisados de plantão, incutidos do famoso “pé na cozinha”, insistem em colocar-me como “a ajudante”. Já me entregaram copo sujo em evento que eu estava como convidada.

Preconceito é ruim de qualquer jeito. Pelo simples fato de ser um agente limitador. Mas o velado, pra quem o sofre, talvez seja pior. É aquele tapa que vem disfarçado de gentileza. Afinal, quem não ama a Tia Nastácia? Mas que ela não se atreva a tirar os pés da cozinha. Nas obras de Lobato, Tia Nastácia volta e meia é ofendida com expressões racistas como “macaca de carvão”.

Não quero condenar aqui a obra de Monteiro Lobato. Além de valor artístico, é registro histórico de uma época. Revisitá-la é essencial até para nos entendermos como cultura. Mas é preciso refletir a respeito e dispensar estereótipos que não cabem mais.

Desse balaio o que vale salvar mesmo é a herança culinária. A presença constante das negras na cozinha do Brasil Colônia nos deixou uma cozinha rica, mixada, plural. O encontro da mandioca com as receitas portuguesas, as adaptações dos pratos afros aos hábitos europeus e ingredientes locais. O sincretismo religioso levado à mesa de todos os santos. Tudo isso permite que possamos escolher ver o pé na cozinha como algo que vai muito além de uma herança genética infeliz. Abre uma nova perspectiva de respeito a todas as Tias Nastácias que ajudaram a fazer da cozinha brasileira o que ela é hoje.

[+] Para acompanhar esse texto, a sugestão é uma receita de moqueca africana (peixe à lumbo). Não deixe de conhecer outras ótimas receitas no blog Sem Medida por Larissa Januário.

[+] Acompanhe a Blogagem Coletiva Mulher Negra no blog, twitter e facebook.

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Ações e Campanhas

Marcha das Vadias 2012

Muitas Luluzinhas estiveram na Marcha das Vadias do ano passado. Foi muito importante ver tantas mulheres saindo as ruas em várias cidades do país. Porém, é importante que esse movimento não cesse. A violência contra as mulheres ainda é grande em nosso país. O desrespeito e a falta de liberdade também.

De acordo com dados do Mapa da Violência 2012, entre 87 países, o Brasil é o 7º que mais mata mulheres. São 4,4 assassinatos em cada grupo de 100 mil mulheres. A cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil. E a maioria dessa violência é praticada não por estranhos, mas por maridos, namorados e familiares.

Cartaz da Campanha "Feminista por quê?" da Marcha das Vadias do DF. Confira mais fotos no tumblr: feministaporque.tumblr.com

Assassinatos parecem distante de nossa realidade, mas o que dizer da violência diária. Uma mulher sozinha no ponto de ônibus de uma grande cidade constantemente ouve gracejos, vê carros diminuirem a velocidade, é abordada apenas por ser mulher. Sabemos que somos abordadas até quando estamos completamente descabeladas fazendo cooper com camiseta de vereador na rua. Sabemos que nossa roupa não é convite para nada. Podemos sim nos vestir de maneira sensual para ir a uma balada, mas ninguém tem o direito de nos violentar por isso.

Rhanna Diógenes, 19 anos, teve o braço quebrado numa boate em Natal – RN, porque recusou-se a dar um beijo em um rapaz, que pagou a conta e foi embora. Hoje, ela tem duas placas de titânio no antebraço. É muito comum na balada termos nossos cabelos puxados, braços segurados com força por desconhecidos que dizem querer conversar conosco, mas que algumas vezes não aceitam ‘não’ como resposta.

Em Queimadas – PB, cinco mulheres foram estupradas, duas delas assassinadas. Michelle Domingos da Silva, 29 anos e Isabella Jussara Frazão Monteiro, 27 anos, foram mortas porque reconheceram os estupradores. Os criminosos eram amigos e parentes das vítimas. O estupro coletivo foi um presente de aniversário de um irmão para outro.

Além desses casos há a lesbofobia, ahomofobia, a transfobia e o racismo. Sempre que um homem é chamado de “afeminado” o preconceito e a misoginia estão presentes. Lésbicas sofrem com estupros corretivos porque “nunca provaram o que é um homem de verdade”. Transexuais são espancadas e chamadas de aberrações. Negras são xingadas quando trabalham porque ““não deveriam estar lidando com gente, deveriam estar na África, cuidando de orangotangos”.

A violência mostra-se de diferentes formas para todas as mulheres, algumas a sentem muito mais que outras, mas todas podemos ser chamadas de vadias. Basta negar um beijo em uma boate, usar uma saia curta, exprimir nossa sexualidade, ter uma sexualidade diferente da heteronormativa, desejar ser de um sexo diferente do designado ao nascer ou ser de uma raça diferente da branca dominante.

É por isso que marchamos e convidamos você a marchar conosco. Pelo fim da violência contra a mulher e pelo fim da culpabilização das vítimas em casos de violência sexual. Ao nos apropriarmos do termo “vadia” ressignificamos uma palavra que existe para ferir as mulheres. Essa palavra não mais nos ofende, porque se ser vadia é ser livre, então somos todas vadias.

Em 2012, as vadias saem às ruas no dia 26 de maio, numa grande marcha nacional. Confira no Calendário das Marchas ou no Facebook onde e quando será a Marcha das Vadias mais próxima de você.

[+] Carta Manifesto da Marcha das Vadias/DF 2012

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Opinião

Julgamento Especial no STF: anencefalia

Hoje, acontecerá no Supremo Tribunal Federal (STF), um julgamento importante para as brasileiras. Será colocada em pauta a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54), que discute a possibilidade das gestantes decidirem livremente se desejam, ou não, interromper a gravidez quando houver o diagnóstico de anencefalia.

A Rádio Justiça transmitirá o julgamento a partir das 09:00 horas.

Já escrevi dois textos sobre o assunto:

O julgamento interrompido: aborto e anencefalia. Nesse texto explico alguns detalhes da ação e traço uma linha do tempo do caso desde que chegou ao STF, em 2004.

Desde 1989, pedidos de interrupção da gravidez em casos de anencefalia chegam ao judiciário brasileiro. A maioria dos juízes concedeu as mulheres esse direito, mas decisões em sentido inverso desequilibravam a jurisprudência. Além dos obstáculos para conseguir realizar o procedimento nos hospitais, mesmo com a autorização judicial em mãos. Aborto no Brasil é crime e muitos médicos tem medo de realizar o procedimento. Portanto, recorre-se ao STF para colocar um ponto final nesse caso da anencefalia.

Vale sempre lembrar que nenhuma mulher será obrigada a interromper uma gravidez com feto anencéfalo. Se a decisão do STF for favorável, todas as mulheres que se encontrarem nesse difícil momento da vida, poderão escolher levar a gravidez adiante ou não. Sem precisar de uma autorização judicial para isso.

Foto de Helio Mota, no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

O STF e a antecipação do parto de anencéfalo. Nesse texto explico algumas questões médicas e jurídicas controversas que permeiam os casos de anencefalia, como a definição de morte cerebral, transplante de órgãos e o direito a sucessão.

Tanto o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que provocou o STF; quanto o voto do relator ministro Marco Aurélio Mello, consideram que nos casos de anencefalia não há uma situação de aborto, mas de antecipação terapêutica do parto. Porque se está comprovada a morte cerebral, não há atentado contra a vida.

É importante lembrar que as mulheres que se veem nessa situação, com uma gravidez de feto anencéfalo, em sua grande maioria desejaram muito ter esse filho. Porém, o diagnóstico por meio de uma ultrasonografia, realizada nos primeiros meses de gestação, acaba sendo um atestado de óbito.

Haverá mulheres que levarão a gravidez adiante e farão do nascimento de seu bebê um evento especial, mesmo que a etapa final seja o cemitério. Porém, há mulheres que não suportam esse sofrimento, que serão torturadas por meses numa gravidez que pode gerar riscos a sua saúde. Todas as mulheres merecem respeito por suas escolhas.

A Gabi Bianco citou uma história muito especial no texto Severina tem que ser feliz de novo. E deixou bem claro um pensamento que também é meu:

Espero que ninguém mais precise passar pelo que passou Severina, que quis comprar uma roupa com touquinha para poder enterrar seu filho, para que na morte ele tivesse pelo menos uma parcela de dignidade. Também espero que as mulheres que queriam levar a gravidez de um feto anencéfalo até o fim sejam respeitadas em sua decisão. Mas a possibilidade de decisão deve existir – e deve ser sempre, sempre da mãe. Nunca de um juiz ou da igreja ou da pressão social. É a mulher que carrega o feto em seu ventre que deve escolher.

Conheça a história de Severina no documentário: Uma Vida Severina.

Acompanhe e compartilhe textos nas redes sociais utilizando as tags #AFavorDaVidaDasMulheres e #AnencefaliaSTF.

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Opinião

O ano começou, quais seus planos?

Chegou a hora de arregaçar as mangas e aceitar que o ano definitivamente começou. Tchau, Carnaval! Olá, mês de março batendo aí na porta. Hora de fazer planos para 2012. E nossa, como isso pode ser difícil.

Arrumar um novo emprego? Comprar um apartamento? Voltar a estudar? Terminar o trabalho de conclusão de curso? Estudar fotografia? Trocar de carro? Viajar para Europa? Começar uma rotina de exercícios? Aprender a costurar? Ter um filho? Adotar a bicicleta como meio de transporte? Levar uma vida mais ecológica? Fazer trabalho voluntário? Fazer terapia? Casar? Começar um blog?

É muito comum fazer planos e nem sempre cumprí-los. Para isso defina um como principal. E a partir dele pequenas metas.

Girassol. Foto de Matteo Angelino no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Sinto o peso dos 30 anos chegar num corpo que atualmente está sedentário e acima do peso. Meu plano não é fazer um dieta ou entrar na academia. É compreender meu corpo, conhecê-lo e respeitá-lo. Entrar em sintonia com o corpo e a alma. Porque ando num ritmo muito frenético, sem hora para dormir, sem rituais de aconchego corporal. Isso talvez inclua uma academia, ou caminhadas frequentas no calçadão, intercaladas com momentos de meditação. Ir aos médicos para ver se está tudo bem. O plano não é emagrecer. O objetivo até o final do ano é sentir que meu corpo está fisicamente bem, energizado e sem desconfortos.

Há alguns planos que surgem. O marido propôs uma viagem para Europa em setembro. Durante o planejamento, decidi aproveitar a limpeza de fim de ano nos armários e me desafiar. Até setembro não posso comprar nada que não seja de uso imediato. Não vou comprar roupas, sapatos, acessórios, livros, jogos e nem dvd’s. É hora de usar e abusar de tudo que tenho. A ideia é economizar dinheiro para a viagem e também voltar com uma mala a mais sem peso na consciência. Roupas, sapatos e acessórios deverão ser usados ao máximo. Os jogos de videogame serão devidamente zerados. A pilha de livros não lidos já está ao lado da cama e deverei fazer resenha de todos no meu blog.

Por mais que fazer planos seja uma atitude bacana para definirmos metas para a vida, lembre-se que cada ano deve começar leve. Sem grandes cobranças, mas com a alma desejando as mudanças e o corpo colocando-as em prática. Quando o cansaço ou a vontade de desistir bater, siga em direção ao sol. Não tem erro.

E você, há planos para 2012?